segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ensurdecedor


Assomados, com o andar titubeante das vítimas da realidade
absoluta, desfalecemos em convulsões de electrochoque no
turbilhão da engrenagem triturante que nos transportou em
sucessivas oscilações sísmicas para o apaziguamento da
indiferença e o amargo isolamento da solidão.
Nada é o que era, nada foi o que sonhamos, apenas visões esfumadas ao contacto da
memória, apenas imprecisas impressões de um tempo gasto pela
usura.
Tivemos o mundo, fomos o mundo...
Salve, cadáveres brancos da inocência!
Salve, corpos belos do amor!
Salve, feiticeiros da embriaguez permanente!
Salve, magos da existência não fragmentária!
Salve, pederastas do desejo, junkies do caos, prisioneiros da
liberdade!
Salve, irreprimível lúdico!
Salve, criadores de vida, amantes da infância, viciados do
presente!
Salve, orfãos perdidos!
Salve! Salve! Salve!

Gumes... Adolfo Luxúria Canibal

Arrastando o Seu Cadáver


É demencial
Não há palavras que consigam dizer o horror
Vi um pobre homem agarrado ao que restava da sua mulher
Errando pela baixa
Os olhos fixos num horizonte perdido
Sem uma palavra
Sem um som
Arrastando a carcaça desfigurada por entre o trânsito do fim da tarde
Passei sem conseguir dizer nada

Ninguém dizia nada
O silêncio
Acompanhava o olhar vazio
A dor

A vaguear por entre as ruínas e o trânsito do fim da tarde
As pessoas apressavam-se por causa do cair da noite
E o pobre homem seguia um destino sem rumo
Arrastando o seu cadáver
E o pobre homem
Seguia um destino sem rumo
Arrastando o seu cadáver

Ninguém dizia nada
O silêncio
Acompanhava o olhar vazio
A dor

Adolfo Luxúria Canibal

Auto Retrato Duas Horas Da Manhã 20 De Agosto De 1959


O amor
sublinhado a filigrama
submergido pelo lodo
torna-se disforme
destroço asfixiado em desperdícios
e o sol fotografa-nos
o vómito de uma dor imensa
derradeira...